Os Arquivos Secretos do Vaticano
Autor: Sérgio Pereira Couto
Editora: Marcador
ISBN: 978-989-75-4134-6
Páginas: 240
17,50 €
Sinopse da editora
Os arquivos secretos do Vaticano surgiram oficialmente em
1610 e foram sancionados pelo papa Paulo V (1552-1621) com a intenção oficial
de «resguardar o legado de Jesus Cristo, herdado pelos seus seguidores». Os
livros tidos como perigosos, por ameaçarem os dogmas estabelecidos pela Igreja,
eram recolhidos e destruídos, mas não sem que antes fosse ali depositado um exemplar
para consultas futuras.
Em “Os Arquivos Secretos do Vaticano” o autor fala da aura
de mistério que envolve estes mais de dois milhões de documentos que abrangem
livros, correspondências, diários de papas, processos de Inquisição, papéis
confidenciais, imagens, fac-similes e milhares de outros registos que a Igreja
Católica vem acumulando ao longo dos séculos. Informações relativas à Inquisição
e às heresias, cujos processos preencheram as enormes prateleiras de registos e
de dados sobre alguns grupos que, na Idade Média e noutras eras, se atreveram a
levantar a voz contra o domínio da Igreja Católica - além dos Evangelhos
proibidos, dos mistérios, das polémicas e dos segredos, inclusive os
relacionados com a renúncia do Papa emérito Bento XVI.
Localizados em pleno coração da Cidade do Vaticano, não são
um simples depósito de dados dos governos papais, mas uma espécie de área
proibida, na qual se guardam detalhes que mudariam a história não apenas do
cristianismo, mas também da Humanidade como a conhecemos.
As minhas impressões
Ninguém o diz, mas os arquivos secretos do Vaticano (ASV) são
uma imensa… seca. Não me refiro ao livro, para já. Refiro-me aos arquivos em si.
Quilómetros e quilómetros de estantes e caixas, 85 km para ser mais preciso,
algo como ir de Aveiro a Viseu, com textos a que qualquer um de nós não daria
valor algum, a não ser para pô-los à venda no olx ou no e-bay, na esperança de
que algum fanático especialista em rodapés de rodapés de história se
interessasse por eles. Um exemplo? É fácil. Pensemos nos documentos
inventariados no livro “Arquivo Secreto do Vaticano. Expansão Portuguesa.
Documentação”. Esta obra em três tomos, publicada pela Esfera do Caos, inventaria
os documentos sobre a expansão portuguesa que estão no ASV, como é fácil de perceber
pelo título. O primeiro tomo, de 1240 páginas, contém 6116 notas sobre
documentos. Vejamos alguns à sorte. O documento 2407 (porque escrevo isto a 24
de julho):
[2407] 1860, Março, 8, Santarém Carta particular [de D.
Joaquim Moreira Reis], Bispo titular de Angola e Congo, ao Núncio, agradecendo
a comunicação que lhe fez por missiva de 6 de Março. Obs. A missiva referida
pelo autor encontra-se no documento do fl. 67.
Ou o 1930 (porque trabalho num jornal que foi fundado no
início da década mais triste do século XX):
[1930] 1852, Novembro, 25, Funchal Carta de [D. Manuel]
Martins Manso, Bispo do Funchal, ao Internúncio, informando, em resposta ao
Ofício de 3 de Setembro relativo à Súplica de D. Maria do Monte Moniz de
Vasconcelos, que pretendia ser exonerada do pagamento dos encargos não
satisfeitos até ao tempo que, por efeito do Breve de 6 de Março de 1779, foram
os mesmos encargos reduzidos à suplicante. Entendia, pois, não encontrar
qualquer inconveniente para o seu deferimento em virtude de o administrador
precedente quase dissipar por contratos lesivos este vínculo, que deixou a
requerente a viver debaixo da protecção de sua tia sem a qual não poderia
subsistir decentemente.
Ou o 4032 (resultado de 2016 x 2, para termos um documento
mais para o fim do tomo):
[4032] 1892, Setembro, 12, Sintra Rascunho de Ofício [do
Núncio] ao Bispo de Cabo Verde [D. Joaquim Augusto de Barros], pelo qual,
atendendo à grave situação que alegava na missiva de 10 de Setembro, concedia a
dispensa sobre o caso exposto do segundo grau de consanguinidade colateral
igual, impondo como condição aos impetrantes de procederem a uma esmola a favor
de alguma Obra Pia.
Como se pode ver pelos exemplos apontados, é improvável encontrar
algo de interessante/ escandaloso/ insólito/ conspirativo/ determinante para a
história coletiva, apesar de nestes três documentos estarem os temas tipicamente quentes: política (governo do Congo), dinheiro (pagamento de encargos) e sexo (casamento consanguíneo). Mas é desta aura de documentos escandalosos, insólitos,
conspirativos e determinantes que vive a fama dos ASV.
Se quiser fazer o teste, é fácil. O volume referido (e outros),
coordenado por José Eduardo Franco, está online:
http://www.lusosofia.net/textos/20121207-arqsecretovaticano_tomo_i.pdf
http://www.lusosofia.net/textos/20121207-arqsecretovaticano_tomo_i.pdf
Quero dizer com isto que os ASV não têm importância? Claro
que têm. Claro que são dos mais importantes, mas não encontramos neles a cada
passo, na grande improbabilidade de lá entrarmos, um documento a condenar
Galileu, outro sobre o fim dos Templários, ou uma carta dos parlamentares
ingleses a pedirem a anulação da condenação de Henrique VIII. Mas todos estes
documentos lá estão.
Os ASV são essencialmente os aquivos papais. E como o papa
tem correspondentes no mundo inteiro e lidera uma organização bimilenar, é natural
que lá esteja muita documentação. A maior parte dela, burocrática e aborrecida.
Nunca é de mais referir que o sentido genuíno de “secreto” é “privado” e “de
confiança” e não tanto o de “oculto” e “proibido”. Porém, é preciso vender livros. Daí a sinopse da editora. “Perigoso”
é melhor do que “maçador”. “Proibido” acicata mais do que “reservado” (que
diplomacia é que se faz sem reserva?).
E quanto ao livro em si? Depois de umas notas históricas (basicamente o que está na Wikipedia) sobre o ASV, o livro entra em temas como A Santa Inquisição, Os Cátaros, Os evangelhos proibidos, O Evangelho de Judas, Ciência vs Religião (onde se fala do Sudário de Turim) e similares. Convém que se diga o seguinte: isto nada tem a ver com os ASV. São temas com alguma polémica, é certo, mas não se remete para a documentação presumivelmente existente nos ASV. O autor escreve sobre os temas como qualquer um de nós poderia escrever, usando as fontes disponíveis, a maior parte delas on-line. Por outras palavras, este livro é uma fraude, atendendo ao título. O exemplo não mais flagrante nem relevante, mas mais evidente, é quando pega numas notícias saídas em abril de 2010 no “L’Osservatore Romano” sobre os Beatles para falar da polémica do Vaticano com o quarteto de Liverpool. O capítulo começa assim: “Os Arquivos Secretos do Vaticano sempre estiveram envoltos em polémica”. O que é que uma notícia de jornal, recente, tem a ver com os ASV? Se o livro se chamasse “Polémicas católicas” ou “Polémicas do Vaticano”, ainda vá que não vá, embora os assuntos sejam de cultura geral e sem verdadeira polémica. Agora sobre os ASV, só temos as páginas iniciais, de introdução. Na capa também se diz: “O maior acervo de documentos secretos do mundo”. É capaz de ser verdade. E era possível escrever muitos livros sobre os episódios cujos principais documentos estão de facto nos ASV (referimos três documentos; a reportagem de Joaquim Franco aponta outros). Mas não é disso que o livro fala.
E quanto ao livro em si? Depois de umas notas históricas (basicamente o que está na Wikipedia) sobre o ASV, o livro entra em temas como A Santa Inquisição, Os Cátaros, Os evangelhos proibidos, O Evangelho de Judas, Ciência vs Religião (onde se fala do Sudário de Turim) e similares. Convém que se diga o seguinte: isto nada tem a ver com os ASV. São temas com alguma polémica, é certo, mas não se remete para a documentação presumivelmente existente nos ASV. O autor escreve sobre os temas como qualquer um de nós poderia escrever, usando as fontes disponíveis, a maior parte delas on-line. Por outras palavras, este livro é uma fraude, atendendo ao título. O exemplo não mais flagrante nem relevante, mas mais evidente, é quando pega numas notícias saídas em abril de 2010 no “L’Osservatore Romano” sobre os Beatles para falar da polémica do Vaticano com o quarteto de Liverpool. O capítulo começa assim: “Os Arquivos Secretos do Vaticano sempre estiveram envoltos em polémica”. O que é que uma notícia de jornal, recente, tem a ver com os ASV? Se o livro se chamasse “Polémicas católicas” ou “Polémicas do Vaticano”, ainda vá que não vá, embora os assuntos sejam de cultura geral e sem verdadeira polémica. Agora sobre os ASV, só temos as páginas iniciais, de introdução. Na capa também se diz: “O maior acervo de documentos secretos do mundo”. É capaz de ser verdade. E era possível escrever muitos livros sobre os episódios cujos principais documentos estão de facto nos ASV (referimos três documentos; a reportagem de Joaquim Franco aponta outros). Mas não é disso que o livro fala.
A quem interessa o livro
- quem quiser processar o autor por não encontrar o que
promete na capa
- quem gosta de curiosidades e de temas supostamente polémicos tratados muito ao de leve
- ia a escrever “quem gosta de coisas tipo teoria da
conspiração”, mas não quero eu mesmo defraudar o leitor
- apesar de tudo, quem se interessar por cultura eclesiástica.
Tem umas coisitas.
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