sábado, 30 de julho de 2016

E se fôssemos à questão essencial?

 

O futuro é também feminino? As mulheres na Igreja e na teologia
Lucetta Scaraffia
Editora: Paulinas
ISBN: 978-989-673-523-4
Páginas: 104
9,50€

Sinopse da editora
O lugar da mulher na Igreja não é uma questão nova, nem simples. Porque não se trata apenas de possibilitar à mulher lugares de prestígio e de poder, até agora negados, mas, sobretudo, penetrar no âmago do próprio Cristianismo: no «criou-os homem e mulher», que nos restitui a imagem completa de Deus; naquela audácia original dos Evangelhos, que narram as relações revolucionárias de Jesus com mulheres da Galileia patriarcal. Em suma, o Cristianismo deve voltar à novidade impetuosa das suas origens e, de certo modo, devolver o dom recebido durante séculos. É esta a disposição que anima os autores das intervenções aqui recolhidas, homens e mulheres, que, aceitando o convite do papa Francisco para se envolverem numa «profunda teologia da mulher», dialogam entre eles e destacam perspetivas, questionamentos, exemplos e propostas de vida.

As minhas impressões
Nota prévia: Só li com atenção o preâmbulo (pág. 4 e 5), que não sei de quem é, mas imagino, e a apresentação (pág. 7-10). De resto, seguindo aquela máxima que diz que “se não souberes que crítica fazer ao livro, lê-o”, limitei-me a dar uma vista de olhos aos 10 ensaios que o compõem.
E o que me parece é que andam às voltinhas em vez de discutirem a questão essencial, que é: As mulheres podem ser ordenadas ou não? Lucetta Scaraffia, no texto de apresentação, bem tenta convencer-nos de que não adianta abordar tal questão. Ou antes, que a questão das mulheres na Igreja tem de ser posta a partir da impossibilidade de ordenação. Escreve ela, nas linhas finais: “A condição feminina na Igreja, isto é, a impossibilidade de «fazer carreira», conduz muitas vezes a uma condição de extraordinária liberdade e profundidade espiritual. Seria verdadeiramente lamentável prescindir dela”. Ou seja, a abordagem do livro é: As coisas são como são e as mulheres não podem ser ordenadas. Posto, isto, há muito a discutir sobre o lugar da mulher na Igreja. Há muito por onde avançar.

Scaraffia não o diz, mas parece partilhar a ideia de Bento XVI, na entrevista que deu no livro “Sal da Terra” (ed. Multinova), segundo a qual, abusando do pensamento de uma teóloga feminista, diz que “ordination” (de mulheres) é “sub-ordination” (para as mulheres). Digo que Ratzinger abusa do pensamento de Elisabeth Schüssler Fiorenza porque a teóloga queria ultrapassar o paradigma da ordenação para ambos os sexos, enquanto Ratzinger queria continuar a negá-la às mulheres. Ambos podem afirmar algo do género: “Não queremos clericalizar as mulheres”, que é o que hoje muitos dizem, mas por razões e com objetivos diferentes. (Já agora, porque também neste livro se diz que não é bom clericalizar as mulheres, pergunto: É bom clericalizar os homens? Se não é bom para elas, porque é que eles aceitam para eles? É preciso desclericalizar os ordenados?)

O meu ponto, e não estou só, é que podem discutir tudo o que quiserem sobre as mulheres na Igreja. Enquanto elas não puderem presidir à Eucaristia, nada de substancial muda. Enquanto não puderem presidir à Eucaristia, a Igreja continuará a ser mais masculina do que feminina. Ou, como alguns preferem, patriarcal. Enquanto não puderem presidir à Eucaristia, não podem estar à frente de paróquias (mesmo que façam o trabalho todo), participar em conselhos presbiterais, estar à frente de dioceses, participar nos sínodos ou concílios com direito pleno, participar na eleição de um sucessor ou sucessora de Pedro. Podem dar-lhes secretariados, faculdades, institutos, jornais, tribunais, ipss, etc., etc., que estarão sempre dependentes de um padre ou um bispo. De um homem sacramentalmente ordenado.

Compreendo a lógica de livros deste género, que é a de alargar os campos do possível. Mas nada de importante ou qualitativo muda, se houver um campo fechado a sete chaves, como dizem que é o da ordenação feminina. O próprio Papa Francisco disse que a porta está fechada e que não a pode abrir. Às vezes penso que ele faz tais afirmações, ao mesmo tempo que diz que “é necessário fazer uma profunda teologia da mulher”, para que um dia se chegue a aceitar a ordenação feminina. Faz lembrar o que um dia ouvi de um padre jesuíta: “Não se sabe quando é que a Igreja vai ordenar mulheres, mas já se sabe como é que começa o documento que aprova a ordenação. É assim: «Como sempre defendeu a tradição da Igreja…»”

E o conteúdo do livro? É este:
“Um amadurecimento especial da semente evangélica”, por Piearangelo Sequeri
“A diferente vocação da mulher”, por Maria Voce
“Um papel ao serviço da Igreja”, por Barbara Hallensleben
“Relações redimidas entre os sexos”, por Sara Butler
“A mulher pensa por si própria”, por Cristiana Dobner
“Compreender plenamente a transformação”, por Robert Peter Imbelli
“As questões das mulheres”, por Elzbieta Adamiak
Colaboradoras do Criados, por Catherine Aubin
“Para ser fazer uma profunda teologia da mulher”, mesa-redonda com Lucetta Scaraffia, Maurizio Gronchi, Antonella Lumini, Marinella Perroni, Luisa Muraro e Damiano Marzotto

A quem pode interessar o livro
- às católicas descontentes com a situação da mulher na igreja
- aos líderes cristãos, responsáveis, na linha deste livro, por alguma mudança
- quem se preocupa com géneros, inclusão, descriminação, diferenças e complementaridades
- quem quer uma Igreja com mais mulheres nos lugares de decisão, sabendo, no entanto que, como as coisas estão, haverá sempre lugares que lhes estão vedados.

quarta-feira, 27 de julho de 2016

Os Arquivos Secretos do Vaticano são uma imensa seca. Já o livro é uma fraude


 
Os Arquivos Secretos do Vaticano
Autor: Sérgio Pereira Couto
Editora: Marcador
ISBN: 978-989-75-4134-6
Páginas: 240
17,50 €

Sinopse da editora
Os arquivos secretos do Vaticano surgiram oficialmente em 1610 e foram sancionados pelo papa Paulo V (1552-1621) com a intenção oficial de «resguardar o legado de Jesus Cristo, herdado pelos seus seguidores». Os livros tidos como perigosos, por ameaçarem os dogmas estabelecidos pela Igreja, eram recolhidos e destruídos, mas não sem que antes fosse ali depositado um exemplar para consultas futuras.
Em “Os Arquivos Secretos do Vaticano” o autor fala da aura de mistério que envolve estes mais de dois milhões de documentos que abrangem livros, correspondências, diários de papas, processos de Inquisição, papéis confidenciais, imagens, fac-similes e milhares de outros registos que a Igreja Católica vem acumulando ao longo dos séculos. Informações relativas à Inquisição e às heresias, cujos processos preencheram as enormes prateleiras de registos e de dados sobre alguns grupos que, na Idade Média e noutras eras, se atreveram a levantar a voz contra o domínio da Igreja Católica - além dos Evangelhos proibidos, dos mistérios, das polémicas e dos segredos, inclusive os relacionados com a renúncia do Papa emérito Bento XVI.
Localizados em pleno coração da Cidade do Vaticano, não são um simples depósito de dados dos governos papais, mas uma espécie de área proibida, na qual se guardam detalhes que mudariam a história não apenas do cristianismo, mas também da Humanidade como a conhecemos.

As minhas impressões
Ninguém o diz, mas os arquivos secretos do Vaticano (ASV) são uma imensa… seca. Não me refiro ao livro, para já. Refiro-me aos arquivos em si. Quilómetros e quilómetros de estantes e caixas, 85 km para ser mais preciso, algo como ir de Aveiro a Viseu, com textos a que qualquer um de nós não daria valor algum, a não ser para pô-los à venda no olx ou no e-bay, na esperança de que algum fanático especialista em rodapés de rodapés de história se interessasse por eles. Um exemplo? É fácil. Pensemos nos documentos inventariados no livro “Arquivo Secreto do Vaticano. Expansão Portuguesa. Documentação”. Esta obra em três tomos, publicada pela Esfera do Caos, inventaria os documentos sobre a expansão portuguesa que estão no ASV, como é fácil de perceber pelo título. O primeiro tomo, de 1240 páginas, contém 6116 notas sobre documentos. Vejamos alguns à sorte. O documento 2407 (porque escrevo isto a 24 de julho):

[2407] 1860, Março, 8, Santarém Carta particular [de D. Joaquim Moreira Reis], Bispo titular de Angola e Congo, ao Núncio, agradecendo a comunicação que lhe fez por missiva de 6 de Março. Obs. A missiva referida pelo autor encontra-se no documento do fl. 67.

Ou o 1930 (porque trabalho num jornal que foi fundado no início da década mais triste do século XX):

[1930] 1852, Novembro, 25, Funchal Carta de [D. Manuel] Martins Manso, Bispo do Funchal, ao Internúncio, informando, em resposta ao Ofício de 3 de Setembro relativo à Súplica de D. Maria do Monte Moniz de Vasconcelos, que pretendia ser exonerada do pagamento dos encargos não satisfeitos até ao tempo que, por efeito do Breve de 6 de Março de 1779, foram os mesmos encargos reduzidos à suplicante. Entendia, pois, não encontrar qualquer inconveniente para o seu deferimento em virtude de o administrador precedente quase dissipar por contratos lesivos este vínculo, que deixou a requerente a viver debaixo da protecção de sua tia sem a qual não poderia subsistir decentemente.

Ou o 4032 (resultado de 2016 x 2, para termos um documento mais para o fim do tomo):

[4032] 1892, Setembro, 12, Sintra Rascunho de Ofício [do Núncio] ao Bispo de Cabo Verde [D. Joaquim Augusto de Barros], pelo qual, atendendo à grave situação que alegava na missiva de 10 de Setembro, concedia a dispensa sobre o caso exposto do segundo grau de consanguinidade colateral igual, impondo como condição aos impetrantes de procederem a uma esmola a favor de alguma Obra Pia.

Como se pode ver pelos exemplos apontados, é improvável encontrar algo de interessante/ escandaloso/ insólito/ conspirativo/ determinante para a história coletiva, apesar de nestes três documentos estarem os temas tipicamente quentes: política (governo do Congo), dinheiro (pagamento de encargos) e sexo (casamento consanguíneo). Mas é desta aura de documentos escandalosos, insólitos, conspirativos e determinantes que vive a fama dos ASV.
Se quiser fazer o teste, é fácil. O volume referido (e outros), coordenado por José Eduardo Franco, está online:

http://www.lusosofia.net/textos/20121207-arqsecretovaticano_tomo_i.pdf

Quero dizer com isto que os ASV não têm importância? Claro que têm. Claro que são dos mais importantes, mas não encontramos neles a cada passo, na grande improbabilidade de lá entrarmos, um documento a condenar Galileu, outro sobre o fim dos Templários, ou uma carta dos parlamentares ingleses a pedirem a anulação da condenação de Henrique VIII. Mas todos estes documentos lá estão.


Os ASV são essencialmente os aquivos papais. E como o papa tem correspondentes no mundo inteiro e lidera uma organização bimilenar, é natural que lá esteja muita documentação. A maior parte dela, burocrática e aborrecida. Nunca é de mais referir que o sentido genuíno de “secreto” é “privado” e “de confiança” e não tanto o de “oculto” e “proibido”. Porém, é preciso vender livros. Daí a sinopse da editora. “Perigoso” é melhor do que “maçador”. “Proibido” acicata mais do que “reservado” (que diplomacia é que se faz sem reserva?).

E quanto ao livro em si? Depois de umas notas históricas (basicamente o que está na Wikipedia) sobre o ASV, o livro entra em temas como A Santa Inquisição, Os Cátaros, Os evangelhos proibidos, O Evangelho de Judas, Ciência vs Religião (onde se fala do Sudário de Turim) e similares. Convém que se diga o seguinte: isto nada tem a ver com os ASV. São temas com alguma polémica, é certo, mas não se remete para a documentação presumivelmente existente nos ASV. O autor escreve sobre os temas como qualquer um de nós poderia escrever, usando as fontes disponíveis, a maior parte delas on-line. Por outras palavras, este livro é uma fraude, atendendo ao título. O exemplo não mais flagrante nem relevante, mas mais evidente, é quando pega numas notícias saídas em abril de 2010 no “L’Osservatore Romano” sobre os Beatles para falar da polémica do Vaticano com o quarteto de Liverpool. O capítulo começa assim: “Os Arquivos Secretos do Vaticano sempre estiveram envoltos em polémica”. O que é que uma notícia de jornal, recente, tem a ver com os ASV? Se o livro se chamasse “Polémicas católicas” ou “Polémicas do Vaticano”, ainda vá que não vá, embora os assuntos sejam de cultura geral e sem verdadeira polémica. Agora sobre os ASV, só temos as páginas iniciais, de introdução. Na capa também se diz: “O maior acervo de documentos secretos do mundo”. É capaz de ser verdade. E era possível escrever muitos livros sobre os episódios cujos principais documentos estão de facto nos ASV (referimos três documentos; a reportagem de Joaquim Franco aponta outros). Mas não é disso que o livro fala.

A quem interessa o livro
- quem quiser processar o autor por não encontrar o que promete na capa
- quem gosta de curiosidades e de temas supostamente polémicos tratados muito ao de leve
- ia a escrever “quem gosta de coisas tipo teoria da conspiração”, mas não quero eu mesmo defraudar o leitor
- apesar de tudo, quem se interessar por cultura eclesiástica. Tem umas coisitas.

sábado, 23 de julho de 2016

Tem algo para dizer ao mundo? Treine com este livro



TED Talks. O guia oficial TED para falar em público
Chris Anderson
ISBN: 9789896444068
282 páginas
16,60€

Sinopse da editora
Desde que assumiu a presidência da TED em 2001, Chris Anderson mostrou como as pequenas palestras cuidadosamente planeadas podem ser cruciais para suscitar empatia, entusiasmo, partilha de saber e promover a concretização de sonhos comuns. Realizada da maneira certa, uma palestra pode ser eletrizante e transformar a mundividência de um público; pode ser mais poderosa do que qualquer documento escrito.
O objetivo deste livro é explicar como se consegue o milagre de um discurso público forte e fornecer aos leitores os instrumentos necessários para tentar fazê-lo da melhor maneira. Não existe uma maneira única de fazer uma conferência notável; não há duas conferências iguais. Mas há ferramentas que qualquer orador pode utilizar.

Mais umas ideias
Já toda a gente viu umas conferências TED na Internet. Assim de repente, lembro-me de quatro ou cinco memoráveis. Mas não vou dizer quais. Uma delas era protagonizada por uma escritora cujo livro deu filme com Julia Roberts. Mas não comi, desculpem, li o livro. Nem rezei, desculpem, vi o filme. Mas amei, desculpem, gostei da conferência. Mas não vou dizer qual foi. E há tantas melhores.
Chris Anderson é o que manda nas TED Talks. O pai dele era oftalmologista missionário. Andou a curar a cegueira no Paquistão, no Afeganistão e na Somália, ao mesmo tempo de spredava o evangelho. E diz Anderson que o pai dele não teria gostado de um dos primeiros oradores a que deu palco, o filósofo Dan Dennett, que é ateu confesso. Daniel Dennett tem vários livros em português, um deles sobre Darwin (“A ideia perigosa de Darwin”) e outro sobre fé, descrença e ateísmo (“Quebrar o feitiço”). Parece que há tempos esteve muito doente e, bem à americana, viu muita gente oferecer-lhe orações para que melhorasse. Ele disse que “não, obrigado”, e ripostou: “E também vão sacrificar uma galinha a algum deus?” Convicções à parte, Daniel Dennet disse o que Chris Anderson sublinha numa das páginas finais deste livro: “O segredo da felicidade é encontrar algo mais importante do que você é e dedicar-lhe a sua vida”. Uma frase muito cristã e de que o missionário oftalmologista teria gostado. O importante é espalhar boas ideias. Cura a cegueira. Este livro ensina como (tem dicas e exemplos) e até nos dá a possibilidade de carregar a nossa própria TED Talk. “Se conseguirmos encontrar uma forma de verdadeiramente nos ouvirmos uns aos outros, e aprender uns com os outros, o futuro brilha com promessas”. E se você fizer uma TED Talk, diga-me. Tem aqui um ouvinte. Desde que não seja chato.

Quem vai gostar deste livro
- quem gosta de boas histórias, bem, isto é demasiado lato
- quem gosta de tecnologia e de novas ideias
- quem gosta de falar em público
- quem não gosta de falar em público, mas precisa
- que tem de falar em público
- quem, ao falar, não quer chatear
- os muitos que participam em TEDx (eventos especiais à maneira do original) um pouco por todo o lado.

sexta-feira, 22 de julho de 2016

Ai que saudades da doutrina sólida


Doutrina Cristã escrita em diálogo para ensinar os meninos
Padre Marcos Jorge, sj
Paulus Editora
ISBN: 9789723018738
Páginas: 344
16,90

Sinopse da editora
O presente livro resgata um catecismo clássico, escrito no século XVI. Foi provavelmente o catecismo escrito em português de maior sucesso de todos os tempos: teve inúmeras edições em português ao longo dos séculos (a primeira foi em 1566; a última, no principio do século XX), e foi traduzido para tupi (Brasil), congolês, latim, konkani e malabar (Índia), chinês e japonês (houve quatro edições no Japão entre 1592 e 1600). Embora esta Doutrina tenha linguagem muito simples, é teologicamente muito rica e profunda. Contém introduções e notas do professor José Miguel Pinto dos Santos.

Mais umas coisas
Marcos Jorge foi um dos primeiros jesuítas. Nasceu em 1524 (tinha Inácio de Loiola 33 anos) em Nogueira do Cravo, Oliveira do Hospital, e entrou para a Companhia de Jesus em 1546 (a Companhia tinha 12 anos de existência, mas apenas 6 de aprovação papal). Esteve na fundação do Colégio de Évora, em 1553. Andou por Coimbra a partir de 1556 (onde obtivera o bacharelato em Direito antes de ir para Évora) e foi enviado a Roma em 1571. Ao regressar da Roma ficou doente e foi morrer a Évora, no dia 10 de dezembro de 1571, com 47 anos. Tinha publicado o seu catecismo cinco anos antes.
Segundo a introdução de José Miguel Pinto Santos, o sucesso do catecismo do jesuíta deve-se a estes fatores:
- linguagem simples, acessível, com frases curtas facilmente memorizáveis
- linguagem teológica exata, mesmo sem termos técnicos
- uso de diálogos, em vez de texto corrido, o que não era incomum, mas com respostas curtas. Os diálogos “são mais semelhantes no ritmo a um auto de Gil Vicente que a um tratado erudito”.
- variedade de técnicas pedagógicas empregues (além dos diálogos, poemas, cantigas, orações, fórmulas de fé…)
- o uso de fórmulas, numa época em que se valorizava a memória
- primazia da pedagogia na exposição da fé e na estrutura do catecismo, quando Agostinho e Tomás de Aquino propunham outra ordem nas temáticas, tida como “ordem natural”
E, acrescento, porque não vi referido:
- o uso de imagens ilustrativas dos mandamentos, dos pecados capitais, das obras de misericórdia, etc. Multimédia, portanto.

Quem vai gostar deste livro
- os que gostam de história da Igreja
- os tradicionalistas que vivem como se a Igreja tivesse começado no séc. XVI, com Trento e as batinas de Pio V (que sendo dominicano, vestia de branco e fez com que os restantes papas andassem de branco), e por lá tivesse ficado
- quem gosta de “doutrina sólida”
- os fãs dos jesuítas
- quem quiser conhecer os Pecados contra o Espírito Santo, os Pecados que Bradam ao Céu ou as Virtudes Cardeais
- os especialistas em história da catequese.

quinta-feira, 21 de julho de 2016

Como enraizar-se em Deus



Etty Hillesum. Humanidade enraizada em Deus
Frei MichaelDavide
Editora: Paulinas
ISBN: 978-989-673-530-2
Páginas: 112

Sinopse da editora
Algumas palavras sobre o Autor ajudam a compreender melhor o conteúdo deste livro que nos fala de um impressionante testemunho de enraizamento em Deus, apenas determinado pela condição humana de Etty Hillesum, que se moveu sempre aparentemente afastada de qualquer instituição religiosa.
Frei MichaelDavide é, hoje, autoridade qualificada sobre Hillesum. O seu conhecimento de Etty brotou de um «encontro» que ele define como «real», e não de ficção literária. Explica que, em certo momento da sua vida monástica, em período de discernimento sabático, o seu diretor espiritual lhe recomendou a leitura de Etty Hillesum, e, durante três meses, mergulhou na vida desta jovem-mulher, descobrindo nos seus escritos um autêntico «documento de humanidade». Esta imersão permitiu-lhe identificar, como num espelho, os seus próprios problemas e, a partir dessa reflexão, reconfigurar a sua vida pessoal, transformando-o num dos mais conceituados guias atuais de espiritualidade.

Umas ideias mais
«Na leitura do seu “Diário” e das suas “Cartas”, página a página, ficamos estupefactos diante do coração desta mulher que avança – não sem quedas e recaídas – para um regresso ao centro de si própria. Todo o caminho e processo interior de Etty Hillesum poderia ser identificado como um êxodo até ao coração onde a autenticidade da humanidade forma uma só coisa com a imagem e semelhança com aquilo que, “na plenitude dos tempos” (Heb 9,26) no foi revelado em Cristo Jesus», escreve o autor, Frei MichaelDavide, na pág. 15.

Monge beneditino, desde 1983, e doutor em Teologia Espiritual, MichaelDavide Semeraro retirou-se para um mosteiro francês num momento difícil da sua via monástica e, por sugestão do seu diretor espiritual, dedicou-se durante três meses ao conhecimento da jovem de ascendência judia que morreu no campo de concentração de Auschwitz no dia 30 de novembro de 1943. Esta imersão levou-o a publicar em 2004 o livro “Dio matura” (“Deus amadurece-nos”) e em 2013 este que agora aparece em português.

Este livro, como escreve o historiador Giovanni Reale no prefácio, contribui para que o leitor tome consciência de que “a missão fundamental do homem é tentar enraizar-se em Deus” e para que, se assim fizer, consiga “dar frutos ricos de humanidade em casa situação da vida em que se encontre, inclusive nas situações mais difíceis, mais dramáticas e até desumanas”.

A quem pode interessar este livro
- Aos diretores espirituais
- Aos dirigidos espirituais
- A quem se interessa pelo período mais obscuro da humanidade
- A quem no meio das dificuldaded quer ver luz
- A quem quer aprender a levantar-se cedo como programa de vida e de crescimento pessoal (ok, isto remete para uma passagem muito particular do livro)
- A quem quiser conhecer mais uma figura que está muito na moda nos meios católicos, Etty Hillesum.

quarta-feira, 20 de julho de 2016

Uma levitaçãozinha, por favor


Fenómenos extraordinários dos místicos e santos
Autor: Paola Giovetti
Coleção: Espiritualidade
Secção: Temas de Fé
Formato: 14 cm x 21 cm
Páginas: 246
Editora: Paulus Editora
ISBN: 9789723019216
Preço: 13,50 euros

Sinopse da editora
Levitações, bilocações, jejuns prolongados durante meses ou anos, estigmas, profecias, visões e muitos outros ainda são fenómenos típicos da mística de todos os tempos: acontecimentos aparentemente incríveis, mas tão bem documentados e testemunhados que não permitem dúvidas sobre a sua realidade. Neste livro, estes fenómenos são apresentados, enquadrados e discutidos com grande riqueza de exemplos e testemunhos. O resultado é um quadro surpreendente e maravilhoso que evidencia a marca sobrenatural do misterioso diálogo dos místicos com o Senhor.
Trata-se de uma leitura envolvente, que suscita curiosidade e surpresa, mas que abre novos horizontes sobre este tema.

O que temos no livro
Um capítulo sobre o cardeal Prospero Lambertini (que viria a ser o Papa Bento XIV, 1740-1758), que durante uma série de anos foi o “cardeal diabo” nos processos de canonização. Nota: Esta cargo foi abolido por João Paulo II em 1983.
O cardeal escreveu o livro “De canonizatione”, em que estuda fenómenos extraordinários e faz coisas moderníssimas, como:
- distinguir o que tem causas naturais do que é “paranomal”, na linguagem de hoje
- eclarecer que nem todos os santos apresentam fenómenos insólitos como visões, sonhos, pré-conhecimentos, etc.
- assegurar que o que é desconhecido numa determinada época não deve ser atribuído necessariamente a Deus
- dizer que muitas coisas parecem milagrosas mas podem ser apenas coincidências ou resultado de sugestões psicológicas
- dizer que os verdadeiros milagres podem existir em não católicos e não cristãos
- dizer que pode haver explicações naturais para fenómenos insólitos
- assegurar que, para se ser santo, valem mais as ações da vontade do que os dons extraordinários.
São bons pontos, estes e outros, a ter em conta antes de ler sobre os fenómenos extraordinários dos santos.
E quais são os fenómenos?
- Levitação (Francisco de Assis, Teresa de Ávila, João da Cruz, Tomás de Aquino, Catarina de Sena e, entre muitos outros, José Cupertino)
- Bilocação (de António de Lisboa a Natuzza Evolo, mística italiana que morreu em 2009)
Jejum
Estigmas
Anel, sinal do matrimónio místico com Jesus
Visões
Fenómenos vários (hipertermia, odor de santidade, incorruptibilidade)
Anjos
Casos especiais
Um último capítulo fala do “valor, significado e limites da fenomenologia mística”. Felizmente, ficamos a saber que a Igreja “é muito prudente nesta matéria”.

O que penso
Por mim, sou muito cético. O livro apresenta muitos relatos dos fenómenos, mas trata-se sempre se relatos
a) do próprio
b) dos amigos do próprio.
Quase todos os casos são antigos, de há mais de dois séculos. Excetua-se, por exemplo, o caso da bilocação de Natuzza Evolo, que é contado por umas amigas. A mais elementar prudência levaria a pôr imensas reticências no caso. Fontes independentes nestes relatos é coisa que não existe. Provas clarividentes, idem. Veja-se o caso da levitação. Parece que acontecia muito antigamente. Mas desde que há fotografia e vídeo, deixou de acontecer (exceto quando se trata de patranhas de médiuns e trapaceiros de todo o género). E seria giro que, com a omnipresença de smartphones, acontecesse uma ou outra vez. Talvez seja próprio dos fenómenos extraordinários acontecerem apenas diante de convencidos. Por mim, passo. Estou como aquele padre de aldeia em meados do século XIX: “Ó Senhor, dá-me a graça de não presenciar nenhum milagre”.

Sobre a levitação, uma sugestão
https://www.youtube.com/watch?v=VOVQZ7ofQV8

Quem gostaria de ler este livro
- Quem gosta de curiosidades sobre santos
- Quem gosta de milagres e outros fenómenos extraordinários
- Quem acredita em anjos (incluindo o demónio)
- Os ateus que acham que para ser católico é preciso acreditar em miraculices deste género (não é), pelo que teriam aqui uma boa fonte para discussões
- The Skeptics Society.